NO MÁXIMO 30 LINHAS.
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FILOSOFIA
FILOSOFIA
Filosofia
e felicidade: O que é ser feliz segundo os grandes filósofos do passado e do
presente
O que é felicidade? Provavelmente, cada pessoa que resolver
responder a esta pergunta apresentará uma resposta própria, pois a felicidade,
num certo sentido, é algo individual, pessoal e intransferível. Por outro lado,
há uma ideia de felicidade que pertence ao senso comum e é compartilhada pela
esmagadora maioria das pessoas: felicidade é ter saúde, amor, dinheiro
suficiente, etc. Além disso, a ideia de felicidade não é uma coisa recente. Com
certeza, ela acompanha o ser humano há muito tempo e faz parte de sua história.
Sendo assim, é possível traçar a evolução histórica dessa ideia,
se nos debruçarmos sobre a disciplina que sempre se dedicou a investigar nossas
ideias, de modo a defini-las e esclarecê-las: a filosofia. Na verdade, a ideia
de felicidade tem grande importância para a origem da filosofia. Ela faz parte
das primeiras reflexões filosóficas sobre ética, que foram elaboradas na Grécia
antiga. Vamos, então, acompanhar a evolução histórica dessa ideia fazendo uma
viagem pela história da filosofia.
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A referência filosófica mais antiga de que se dispõe sobre o
tema é um fragmento de um texto de Tales de Mileto, que viveu entre as últimas
décadas do século 7 a.C. e a primeira metade do século 6 a.C. Segundo ele, é
feliz “quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada”. Vale atentar
para a expressão “boa sorte”, pois disso dependia a felicidade na visão dos
gregos mais antigos.
Bom
demônio
Em grego, felicidade se diz “eudaimonia”, palavra que é composta
do prefixo “eu”, que significa “bom”, e de “daimon”, “demônio”, que, para os
gregos, é uma espécie de semi-deus ou de gênio, que acompanhava os seres humanos.
Ser feliz era dispor de um “bom demônio”, o que estava relacionado à sorte de
cada um. Quem tivesse um “mau demônio” era fatalmente infeliz.
Não há dúvida de que, entre os séculos 10 a.C. e 5. a.C, o
pensamento grego tende a considerar os maus demônios mais frequentes do que os
bons e apresentar uma visão pessimista da existência humana. Não é por acaso
que os gregos inventaram a tragédia. Uma expressão radical desse pessimismo nos
é fornecido por um velho provérbio grego, segundo o qual “a melhor de todas as
coisas é não nascer”.
Foi a filosofia que rompeu com essa visão pessimista e procurou
estabelecer orientações para que o homem procurasse a felicidade. Demócrito de Abdera(aprox. 460 a.C./370 a.C.)
julgava que a felicidade era “a medida do prazer e a proporção da vida”. Para
atingi-la, o homem precisava deixar de lado as ilusões e os desejos e alcançar
a serenidade. A filosofia era o instrumento que possibilitava esse processo.
Virtude
e justiça
Sócrates (469 a.C./399 a.C.) deu novo
rumo à compreensão da ideia de felicidade, postulando que ela não se
relacionava apenas à satisfação dos desejos e necessidades do corpo, pois, para
ele, o homem não era só o corpo, mas, principalmente, a alma. Assim, a
felicidade era o bem da alma que só podia ser atingido por meio de uma conduta
virtuosa e justa.
Para Sócrates, sofrer uma injustiça era melhor do que praticá-la
e, por isso, certo de estar sendo justo, não se intimidou nem diante da
condenação à morte por um tribunal ateniense. Cercado pelos discípulos, bebeu a
taça de veneno que lhe foi imposta e parecia feliz a todos os que o assistiram
em seus últimos momentos.
Entre os discípulos de Sócrates, Antístenes (445 a.C./365 a.C.)
acrescentou um toque pessoal à ideia de felicidade de seu mestre, considerando
que o homem feliz é o homem autossuficiente. A ideia de autossuficiência (que,
em grego, se diz “autarquia”,) continuará diretamente vinculada à de felicidade
nos setecentos anos seguintes.
Uma
função da alma
Mas o maior discípulo de Sócrates, que efetivamente levou a
especulação filosófica adiante de onde a deixara seu mestre, foi Platão (348 a.C./347 a.C.), o qual
considerava que todas as coisas têm sua função. Assim, como a função do olho é
ver e a do ouvido, ouvir, a função da alma é ser virtuosa e justa, de modo que,
exercendo a virtude e a justiça, ela obtem a felicidade.
É importante deixar claro que noções como virtude e justiça
integram uma vertente do pensamento filosófico chamada Ética, que se dedica à
investigação dos costumes, visando a identificar os bons e os maus. Para
Platão, a ética não estava limitada aos negócios privados, devendo ser posta em
prática também nos negócios públicos. Desse modo, o filósofo entendia que a
função do Estado era tornar os homens bons e felizes.
A ligação entre ética e política estará ainda mais definida na
obra do mais importante discípulo de Platão, Aristóteles (384 a.C./322 a.C.), o qual
dedicou todo um livro à questão da felicidade: a “Ética a Nicômaco” (que é o
nome de seu filho, para quem o livro foi escrito). Amigo de Platão, mas, em
suas próprias palavras, “mais amigo da verdade”, Aristóteles criticou o
idealismo do mestre, reconhecendo a necessidade de elementos básicos, como a
boa saúde, a liberdade (em vez da escravidão) e uma boa situação socioeconômica
para alguém ser feliz.
Felicidade
intelectual
Por outro lado, a partir de uma série de raciocínios que têm
como base o fato de o homem ser um animal racional, Aristóteles conclui que a
maior virtude de nossa “alma racional” é o exercício do pensamento, pelo quê,
segundo ele, a felicidade chega a se identificar com a atividade pensante do
filósofo, a qual, inclusive, aproxima o ser humano da divindade.
Sem perder de vista a aplicação prática de suas ideias,
Aristóteles considera a política como uma extensão da ética e, nesse sentido,
para ele também é uma função do Estado criar condições para o cidadão ser
feliz. O Estado que o filósofo tinha em mente, porém, era a “polis” grega, que,
naquele momento, estava deixando de existir, com o surgimento do império de Alexandre o Grande.
Depois de Alexandre, no mundo grego ou helênico,
desenvolveram-se três escolas filosóficas que vão se estender até o fim do
Império romano, as chamadas filosofias helenísticas. Todas elas, por caminhos
diferentes, chegam a conclusão de que, para ser feliz, o homem deve ser não só
autossuficiente, mas desenvolver uma atitude de indiferença, de
impassibilidade, em relação a tudo ao seu redor. A felicidade, para eles, era a
“apatia”, palavra que, naquela época, não tinha o sentido patológico que tem
hoje.
Prazer
e salvação da alma
Entre os filósofos do mundo helênico, pode-se citar Epicuro (341 a.C./271 a.C.), para deixar
claro que essa ideia de “apatia” não significa abdicar ao prazer. O prazer era
essencial à felicidade para Epicuro, cuja filosofia também é conhecida pelo
nome de hedonismo (em grego “hedone” quer dizer “prazer”). Mas ele deixa claro,
numa carta a um discípulo, que não se refere ao prazer “dos dissolutos e dos
crápulas” e sim ao da impassibilidade que liberta de desejos e necessidades.
Com o fim do mundo helênico e o advento da Idade Média, a
felicidade desapareceu do horizonte da filosofia. Estando relacionada à vida do
homem neste mundo, ela não interessou aos filósofos cristãos como Agostinho de Hipona (354 d.C./430 d.C.),Anselmo de Canterbury (1033/1109) ou Tomás de Aquino (1225/1274), todos santos
da Igreja católica. Para a filosofia cristã, mais do que a felicidade, o que
conta é a salvação da alma.
Os filósofos voltaram a se debruçar sobre o tema na Idade
Moderna. John Locke(1632/1704) e Leibniz (1646/1716),
na virada dos séculos 17 e 18, identificaram a felicidade com o prazer, um
“prazer duradouro”. Alguns décadas depois, o filósofo iluminista Immanuel Kant (1724/1804), na obra
“Crítica da razão prática” definiu a felicidade como “a condição do ser
racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com o
seu desejo e vontade”.
Direito
do homem
No entanto, para Kant, como a felicidade se coloca no âmbito do
prazer e do desejo, ela nada tem a ver com a Ética e, portanto, não é um tema
que interesse à investigação filosófica. Sua argumentação foi tão convincente
que, a partir dele, a felicidade desapareceu da obra das escolas filosóficas
que o sucederam.
Mesmo assim, não se pode deixar de mencionar que, no mundo de
língua inglesa, na mesma época de Kant, a ideia de felicidade ganhou lugar de
destaque no pensamento político e buscá-la passou a ser considerada um “direito
do homem”, como está consignado na Constituição dos Estados Unidos da América,
que data de 1787 e foi redigida sob a influência do Iluminismo.
Egocentrismo
e infelicidade
É também no âmbito da filosofia anglo-saxônica, no século 20,
que se encontra uma nova reflexão sobre nosso assunto. O inglês Bertrand Russell (1872/1970) dedicou a
ele a obra “A conquista da felicidade”, usando o método da investigação lógica
para concluir que é necessário alimentar uma multiplicidade de interesses e de
relações com as coisas e com os outros homens para ser feliz. Para ele, em
síntese, a felicidade é a eliminação do egocentrismo.
Mais recentemente, em 1989, o filósofo espanhol Julián Marías
também dedicou ao tema um livro notável, “A felicidade humana”, em que estuda a
história dessa ideia, da Antiguidade aos nossos dias, ressaltando que a
ausência da reflexão filosófica sobre a felicidade no mundo contemporâneo
talvez seja um sintoma de como esse mesmo mundo anda muito infeliz.
Bibliografia
Abbagnano, Nicola - "Dicionário de Filosofia", Martis
Fontes, São Paulo, 2000.
Berti, Enrico - "No princípio era a maravilha",
Loyola, São Paulo, 2010.
Marías, Julián - "A felicidade humana", Duas Cidades,
São Paulo, 1989.
Antonio Carlos
Olivieri Antonio Carlos Olivieri é jornalista e escritor.
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